O
Blog de Lilian Solá Santiago - Poema Preta - traz lindos poemas de Anastácia
(salvo ledo engano, ela foi uma escrava, que é cultuada até hoje, pela
realização de milagres).
Abaixo
conto a história desta escrava, cujo talento fica patente em alguns poemas aqui
expostos. Ressalto que não tenho certeza se a santa Anastácia é a mesma poetisa
aqui citada. Indico também, o endereço do blog onde você pode ver outros destes
versos raros e refinados.
"Poeta peculiar, negra
Anastácia é uma entidade que acima de tudo preza a palavra. Ela brinca com as letras
e com o mundo ao seu redor, e se define poeta: é como gosta de ser chamada. Tão
difícil de explicitar quanto o próprio sentido por trás das palavras, resta
apenas perceber a energia emanada de seus versos, que provocam e orientam seus
leitores" (Editora Kazuá).
“Para ela, a poesia é o barro
da vida. Somos as palavras. Para cada fragmento de história, há uma rima. Para
cada retrato do cotidiano, há um verso, um cântico. Para cada lágrima ou
bofetada, há uma metáfora. Estamos refletidos nas águas deste lago de letras.
(…) E se algum leitor se sentir identificado é porque também pode ser um
coautor deste livro (Poema Preta, de Negra Anastácia)...já sentiu
sangrar a pele, já riu, já existiu, já morreu, já renasceu.” (Adriana Azenha).
Escrava
Anastácia (1740 - data e local de morte incertos) é uma das mais importantes
figuras femininas da história negra (uma mártir), que é cultuada no Brasil e na
África, pela realização de supostos milagres. Isso, apesar de ter a sua existência
colocada em dúvida, pelos estudiosos do assunto (em virtude da escassez de
dados disponíveis a seu respeito).
Eu, mulher negra, nascida
escrava, sem nação definida, sofri na carne, na alma e em todas as
reentrâncias, a fúria humana, desumana, insana, que vocês talvez, espero, nunca
tenham sentido, sintam, sentirão. Um pouco dessas marcas estão aqui, sob forma
de palavras (Anastácia).
Os
restos mortais de Anastácia foram sepultados na Igreja do Rosário (RJ), porém,
sumiram após um incêndio, fato que aumentou as dúvidas a respeito de sua
história.
Muitas
entidades católicas estão unidas no propósito de solicitar ao Papa a
beatificação desta santa guerreira africana, que um dia foi perseguida e
contestada pela igreja, que hoje a cultua.
A
crença no poder de cura de Anastácia teria iniciado a partir de uma exposição na
Igreja do Rosário (RJ), em comemoração dos 80 anos da Abolição, em 1968,
ocasião em que Étienne Victor Arago mostrou um desenho do século XVIII, que
representava uma escrava com Máscara de Flandres (a máscara não permitia a
alimentação, nem a comunicação, permitia somente enxergar e respirar). A jovem
escrava se comunicava com os olhos.
Da mulher fez-se o homem, e deles o verbo e a dominação.
Eu, da palavra quero a libertação (Anastácia).
Ironia
do destino o filho do seu senhor caiu doente, sem previsão de cura, em
desespero recorrem a escrava curandeira, pedindo pela cura do filho, o qual se
realiza para o espanto de todos. Por esse motivo, e depois de muito tempo de
tortura e maus-tratos sofridos, logo depois da cura do filho de seu algoz, a
escrava bonita e sofrida sofre uma gangrena (no pescoço/gargantilha de ferro e
boca/máscara), sendo levada para o Rio de Janeiro, para ser tratada. Termina então,
a vida de sofrimento de uma jovem guerreira de rara beleza (1838). Foi pela autorização
do feitor e da sinhá, velada na capela da fazenda. Seu senhor, também
levado pelo remorso, providenciou-lhe um enterro como escrava liberta, depois
de morta, sendo sepultada na Igreja construída pelos seus irmãos de dor, em cujo
funeral foi acompanhada por dezenas de escravos irmãos de luta e sofrimento.
NASCI
Nasci onde a galinha ciscou
comi o que ela botou
morri como ela
sangrando em suas penas (Anastácia).
Lamentavelmente,
a igreja do Rosário (RJ) foi destruída por um incêndio, levando à destruição dos
poucos documentos que poderiam nos oferecer melhores e maiores informações sobre
a “Escrava Anastácia” - “Princesa Bantu” - “A Santa, mártir e heroína negra”.
Ao
perfil de guerreira que resistiu aos maus tratos da escravidão, modelo de
liderança e resistência, soma-se o de milagrosa, cultuada por milhões de
brasileiros católicos devotos.
Oração
da Escrava Anastácia
Por
Misael.
Vemos
que algum algoz fez da tua vida um martírio, violou tiranicamente a tua
mocidade, vemos também no teu semblante macio, no teu rosto suave, tranquilo, a
paz que os sofrimentos não conseguiram perturbar.
Querida
Anastácia: eras puras, superior, tanto assim que Deus levou-te para as planuras
do céu e deu-te o poder de fazeres curas, graças e milagres.
Amada
Anastácia, pedimos que (fazer o pedido), roga por nós, proteja-nos, envolva-nos
no teu manto de graça e com teu olhar bondoso, firme, penetrante, afasta de nós
os males do mundo.
Tudo
que pedimos por Nosso Senhor Jesus Cristo na unidade do Espírito Santo.
Amém.
Mais Poemas
Veja abaixo desta resenha:
FEDE
Dizem que mulher negra é
diferente da branca
porque é suja e cheira mal.
Isso é que enlouquece os
homens todos
(de qualquer cor)
Pra quê tanta água de cheiro, branquinha,
se nos grandes lábios o nariz
do teu homem não chega? (Anastácia).
CENA
A barca, a carga, a marca no
negro torso.
A alma, a palma, a lama nos
pés mulatos
A cara, a casa branca, a
senzala junto ao curral
Curra o negro
Cura o açúcar, o cacau, o café
pro sinhô ganhá mais e te matá, povo de Guiné
Tanto trabalho preto, tanto
ouro, pra quem é?
Sinhazinha gasta tanto, sapato
no pé, sombrinha na mão, corrente camafeu.
Três nêgas limpando o chão
(Anastácia).
(Anastácia).
BRINQUEDO
A bola de meia velha
que meus pés não gastaram,
não gastam, não gastarão,
passa em meus dedos infantis
como um sonho-terremoto.
Sem controle
treme o corpo que apanha da
menina.
Tão lambidinha ela, tão
branquinha,
pele e roupa
e obscuro olho de rezar.
Minha dona é pérfida menina.
Me penteia
arrancando fio a fio
grossas somas de caracóis
negros.
Depois,
laço no cabelo, sim.
Sapato!
Nem meia
Boneca escrava é sem luxo
(Anastácia).
(Anastácia).
NEGA
A criança só é quando brinca.
Eu fui macaca doente
brincava de morder gente.
Fiquei muda e sem dente
virei brinquedo do filho e do
patrão
Escrava da escuridão.
No meu corpo tombada
de dia servia,
de noite gozava.
Já que meteu na nêga,
vou brincar de cair na cilada
(Anastácia).
(Anastácia).
ÓDIO DE MÃE
Meus donos os foram muitos
- os que me possuíram
- os que me julgaram
- os que me mandaram
- os que me bateram
- os que me ignoraram
- os que me humilharam
- os que me faleceram
Homens sujos, sem caráter.
Medíocres, burros.
Nunca souberam que minha mãe
mora dentro de mim
e a tudo provê.
Minha mãe é o ódio de não ter
morrido ainda botão
E se não morri, é da mãe-ódio
o alimento de minhas veias
E a cada dia vivo mais.
O ódio cresce e não me deixa
morrer.
É esse meu orgulho.
Ficar aqui nesta terra.
Viver o não-viver
(Anastácia).
(Anastácia).
O paraíso é o sono quando não
sonho
O sono sem sonho é real,
talvez como a morte
Talvez deitada e para sempre,
exposta ao nada, descanse
O corpo entrega-se ao vazio do
ser, a inexistência confirmada no escuro
Não me sei, nem quero sê-lo,
nem carta, nem alforria
Que bom nada ser a cada novo
dia
(Anastácia).
Veja outros poemas na página Poema Preta.
Fontes:
Thaís Nascimento.
Anastácia: resistência negra santificada. 2013. Disponível em:
http://www.ceert.org.br/noticias/historia-cultura-arte/3526/anastacia-resistencia-negra-santificada.
Acesso em 26 nov.2015.
Wikipédia,
a enciclopédia livre. Escrava Anastácia. Disponível em:
Acesso
em 26 nov.2015.
Anastácia.
Escrava Anastácia. Disponível em:
http://www.centroanastacia.com/index.php/quem-somos/escrava-anastacia.
Acesso em 26 nov.2015.
Lilian
Solá Santiago. POEMA PRETA. Disponível em:
http://poemapreta.blogspot.com.br/.
Acesso em 26 nov.2015.
Paz!
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